Nas minhas lembranças parece que foi ainda ontem que eu estava no aeroporto, prestes a pegar um vôo para São Paulo. Carregava a maleta um tanto pesada, com livros, agendas, remédio para hipertensão e tudo aquilo que dá medo de despachar e perder. Andei até o avião. Meu ombro doía. De repente me veio a sensação.
- O que farei quando for idoso e não der conta de levar este peso?
Foi desconfortável. À medida que fico madura, tomo consciência de que a cidade é feita para quem está no auge da saúde, com força total. Não gosto de chover no molhado, e cair em saudosismo romântico, dizendo que antes era bem melhor. Mas há uns trinta anos eu quebrei a perna direita e andei de gesso um bom tempo. Nunca havia imaginado que as pessoas pudessem ser tão simpáticas e solidárias. Sempre havia alguém para me ajudar a carregar meus livros escolares. Ofereciam-me o lugar para sentar. Uma colega fazia as anotações da universidade e oferecia para eu copiar quando chegava tarde na aula.
Agora parece que esse tipo de solidariedade automática, desinteressada, anda em extinção. São freqüentes as reportagens sobre as peruas que não param para idosos. Quando saiu a lei do passe livre, pude ver senhoras que se divertiam visitando-se mutuamente. Sentiam se especiais, bem-cuidadas. Hoje me dói o coração quando passo em frente a um ponto de ônibus e vejo um grupo de velhas, muitas vezes no vento e no frio, esperando um tempo absurdo pelo transporte, como se fosse uma esmola. Pior: nem que queiram pagar conseguem. Muitos motoristas fogem diante dos cabelos brancos.
Se entro em uma loja e vejo uma senhora idosa examinando um artigo em promoção, invariavelmente a vendedora está com ar impaciente. Prefere atender gente com vontade de comprar mais depressa. Pessoas idosas são muitas vezes solitárias. Gostam de conversar um pouco mais, de ter uma conversa amigável com o vendedor, com o garçom.
Conversando com uma amiga dedicada a causas sociais, descobri que existem muitos voluntários para programas ligados à infância. Um número expressivamente menor para idosos. Como se pelo fato de já terem idade, não tivessem tanta importância assim. Mesmo nas famílias. As pessoas estão o tempo todo muito ocupadas. São poucas as com disposição para passar uma tarde ou uma noite batendo papo, preparando um jantarzinho melhor, trocando afeto. A velha é obrigada a entender que a vida da neta corre depressa, e que ela não tem paciência para seu ritmo mais lento, para suas recordações, para seu modo de ver o mundo. Talvez diferente, talvez conservador, mas nem por isso a troca de experiências seria menos válida.
Penso que nossos ancestrais sabiam lidar melhor com a velhice. Viviam em cidades menores, os vizinhos se conheciam, e um ajudava o outro. Sempre havia alguém para fazer uma sopa, para pedir ajuda em caso de doença. Na cidade grande, é sempre uma correria onde freqüentemente se esquecem os valores humanos. É duro olhar para esse mundo e se perguntar:
- O que será de mim, quando for velha?
Talvez, se todos se fizessem a mesma pergunta, as coisas poderiam melhorar a partir de agora.
Walkyria Garcia