segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

**HORA do POETA - Reginaldo Honório da Silva - CICATRIZ DA INOCÊNCIA

CICATRIZ DA INOCÊNCIA
© Reginaldo Honório da Silva
 
Na primeira vez que você me quis
Da altura da minha infância
Sem pensar eu disse não
Disseram então que era inocência
 
Na segunda vez eu já tinha malícia
E da altura da minha adolescência
Outra vez sem pensar disse não
Eu já tinha um alguém
Com quem trocava fluídos
E desejos proibidos
Me chamaram de otário
 
Vinte janelas do tempo
E novamente você me buscou
Eu não tinha ninguém
Mas sem pensar voltei da dizer não
Duvidaram da minha masculinidade
 
Outras janelas se passaram
E você não desistia de mim
Eu já contraíra matrimônio
E sem pensar de novo disse não
Fui taxado de falso puritano
 
Rolaram as pedras dos destinos
As tempestades e os espinhos
E da enfermidade à eternidade
Estava eu de novo sozinho
Quando você apareceu madura
Com o mesmo sorriso de infância
Com a mesma voz natural
E indecifrável rouquidão sensual
Me abraçou em silêncio
E senti suas lágrimas em meu peito
 
Sem que você me pedisse
Eu a tomei nos braços
E te amei com toda força
Acumulada por tanto dizer não
Por inocência ou princípios
E te levei por caminhos do infinito
 
Alucinado bebi da paixão
Que reneguei sem pensar
Tirei a poesia do papel
Os odores das flores
E o veneno da serpente
E os encantos da medusa
 
Arranquei meu coração do peito
Enfeitei com algas marinhas
E com desenhos de primavera
De profundidade tanta
Trazidas por serias
Cardumes exóticos
 
Pintei as janelas do tempo
E nelas te entreguei todo amor
Que de tamanha dimensão
Jamais foi contado na história
Por ser tão grande quanto penso
E tão pequeno como nem imagino
 
Até que Ícaro renasceu das cinzas
Deu uma volta olímpica
Em torno do sol
Sustentando seus sonhos
E te levando em suas asas
 
Os profetas do velho testamento
Na carne dos apóstolos
E por fim nas searas divinas
Tiraram o enfeite do meu coração
Apagaram os desenhos de primavera
E devolveram a poesia ao papel
Desfizeram tudo que fiz por você
Me puseram as cicatrizes aos ombros
E disseram: Carrega!
 
Até hoje carrego pelo universo
A cicatriz da inocência
Que é a que mais pesa
De quando na primeira vez
Sem pensar eu disse não.
 
Rio Claro, 29 de abril de 2012, às 10h20min.

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